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Vigésima Terceira Parte

Vigésima Terceira Parte

                       Vigésima Terceira Parte

                    Entre as moscas e as moças

Naqueles tempos se tornou muito difícil confiar nas pessoas. Moças bonitas eram usadas como armadilhas para pegar soldados ou revoltosos trouxas. Afinal, poucos são os homens que não se rendem a um belo par de coxas, em especial após um longo tempo de abstinência sexual forçada por conta de situações adversas. Reinava uma desconfiança geral contra as moças, consideradas senão prostitutas, espiãs. Onde se via uma moça de “espreita” ou de “zoião”, logo se desconfiava de espiã. Por conta disso, muita jovem sortuda era trancafiada, enquanto as mais azaradas logo se viam entre a cruz e a espada, vitimadas por uma verdadeira caçada às bruxas. Por outro lado, nunca as moscas foram tão odiadas. Sua proliferação era praticamente uma maldição, pois as condições eram muito propícias graças à abundância de corpos jogados às valetas putrefactas e fétidas onde ficavam apodrecendo a olhos nus, numa indiferença nunca antes imaginada. Ratos e urubus não davam mais conta de sua natural tarefa de limpeza. O cardápio já estava repetido demais. E como era de se esperar, as doenças se espalharam acometendo as populações mais expostas à precariedade da higiene daqueles tempos conturbados. Se por um lado desconfiava-se que jovens bonitas cheiravam a armadilha, por outro lado os enxames atormentadores de moscas eram sinal de cadáveres na área. Nesse ponto, as muriçocas eram quase uma bênção à parte, pois cada picada sentida era sinal de que suas vítimas ainda estavam vivas. Surgiu então um provérbio que ironizava: “entre as moscas e as moças, eu prefiro as muriçocas”. O número de jovens prostitutas era elevadíssimo. Não raro, até quem tinha o privilégio de manter-se acima de qualquer suspeita, muitas vezes exercia o ofício secretamente. Para quem fazia o sacrifício por necessidade, valia o ditado que diz: “em prol da vida tudo é válido”. Ainda assim, o número de estupros era assombroso, e só teve uma redução significativa quando as lideranças revolucionárias anunciaram a castração sumária de todos os acusados desse crime hediondo e passaram a empreender uma perseguição implacável aos facínoras. Muitos foram executados sem piedade, mesmo após serem castrados em público. E assim, as mulheres, que davam uma tremenda contribuição à guerra – das camas dos prostíbulos aos campos de batalha –, tiveram um pouco de sossego e se sentiram mais respeitadas e protegidas, e até certo ponto, menos violadas em seus diretos mais humanos, principalmente os de escolha. Não há o que conjecturar: na guerra o grande e inevitável mal são as grandes somas de vidas perdidas. Nisso consiste o altíssimo e traumático preço a ser pago. O que é destruído, pode ser reconstruído. Mas a vida é uma dádiva de Deus. O gigantesco saldo de vítimas só reforçava a urgência em cortar as asas da corruptolândia a qualquer preço. Assim, no pós-guerra, a corrupção viria a ser transformada em crime hediondo. Novos conceitos renasciam do pó. Novas esperanças brotavam das cinzas da guerra civil. Não demorou muito, as tropas populares começaram a se aproximar do centro do poder, Brasília. Menos de doze meses depois do início do conflito, a URNON por fim cedeu a um pedido de trégua do exército, que pedia o fim do derramamento de sangue entre irmãos. Após sentarem-se à mesa a fim de negociar os termos, as seis partes chegaram a um consenso, finalizando a guerra civil.