Vigésima Segunda Parte
Vigésima Segunda Parte
A Confederação do Equador
Na região Nordeste, renascia o ideal separatista com base lá no século dezenove, com a Revolução denominada Confederação do Equador. E havia também a mágoa pela decadente colonização portuguesa, já que em Pernambuco muitos ainda se imaginam como seria aquele estado se os holandeses não houvessem sido expulsos. Enfim, coisas sem sentido, mas que no fundo fazem todo sentido do mundo. Novamente o centro do movimento era Pernambuco, onde enormes multidões foram às ruas e se confrontaram com a polícia, num intenso e horripilante derramamento de sangue. Logo as coisas estavam completamente fora de controle. Seguindo os passos dos pernambucanos, os outros estados fizeram a mesma coisa. De um momento para outro, simplesmente não havia mais uma ordem governamental estabelecida, pois o povo assumira o controle total de todos os estados. Nos dias seguintes, os confrontos se intensificaram. A anarquia era geral e as forças de segurança pública já não tinham mais condições de por ordem nas coisas. O governo federal decretou Lei Marcial e mandou o exército às ruas. Muitos confrontos ocorreram entre revolucionários e forças federais, ocasionando enormes baixas de ambos os lados. Só então as Forças Armadas começaram a ter uma real dimensão da tragédia que se desenrolava. E mesmo com todo seu poder, não estavam conseguindo restabelecer a ordem perdida, não sem um emergencial e necessário banho de sangue. Os confrontos se tornaram mais ferozes, porém aquilo estava se mostrando um desastre que ao invés de ir de encontro à ordem, só estava servindo para afundar mais e mais o país numa ensandecida carnificina. Não era fácil admitir, mas o país mais pacífico do mundo estava envolvido de fato numa guerra civil, gerando uma desordem sem precedentes no país do futebol. Os dias se passaram, as semanas correram, os meses se foram, ao passo que a luta intensa deu aos revolucionários disciplina e objetivos concretos. Os combates agora aconteciam de maneira eficiente e competente. Com o tempo, mais e mais militares começaram a bandear pro lado dos revoltosos, que já contava com um número enorme de soldados simpatizantes do movimento. Trazendo novas experiências e novas táticas, os mesmos faziam a diferença. Com a conquista de várias bases da Força Aérea, os revolucionários tiveram acesso a recursos militares até então exclusivos das Forças Armadas. E a coisa só se complicava mais e mais. Lá pràs tantas do antagonismo nacional, o conflito dantesco começou a configurar uma nova face, com claras e evidentes intenções de limpeza racial, étnica, social e religiosa em alguns lugares. No sudeste, grupos intolerantes perseguiam minorias e executavam sem piedade. Logo as vítimas passaram a ser nordestinos e até mesmo estrangeiros de origem latina. Corpos apareciam aos montes jogados em lixões e valas. O rio Tietê passou a ser um depósito repugnante de cadáveres. Os acusados dos crimes eram perseguidos implacavelmente pelos corpos policiais organizados pelas lideranças revolucionárias. Quando tinham sorte, eram enviados a campos de trabalhos forçados. Quando não, eram executados imediatamente, sem dó ou piedade. Tornara-se fácil livrar-se de um rival qualquer, bastando que o mesmo fosse acusado de intolerância. Quando se tratava de neonazistas, quase sempre não escapavam de uma rajada de balas. No sul, a intolerância mostrava sua face mais sombria. Ali os grupos neonazistas se multiplicavam, atacando geral, não poupando ninguém que não tivesse “um mínimo de características arianas”. Igrejas e templos eram incendiados e religiosos eram queimados em estacas nas madrugadas, sob o estandarte de Adolf Hitler. Uma nova perseguição genocida teve início contra os judeus e certas religiões. As forças revolucionárias do sul iniciaram uma corrida ensandecida pelos grupos neonazistas. Filas intermináveis de racistas acorrentados eram organizadas, em seguida as mesmas eram conduzidas a câmaras de gás, onde os monstros hitleristas eram exterminados e em seguida incinerados. Os céus dos pampas ficaram negros pela fumaça dos crematórios. As cinzas se espalhavam pelos ares, tornando a vida muito mais difícil, pois o ar estava infestado pelo cheiro de carne queimada de neonazistas. O pó das cinzas cadavéricas pousava sobre as roupas nos varais e até passou a ser usada como complemento alimentar para animais. E vendida a um preço modesto, as cinzas dos mortos neonazistas passaram a ser uma fonte de lucro que alimentava a máquina de guerra dos revolucionários sulistas. No Nordeste, ao contrário do que ocorria no sul e no sudeste, com suas múltiplas preocupações, os revoltosos estavam centrados no ritmo da revolução e na luta para obter resultados positivos a curto prazo. Em contrapartida, de olho no que ocorria no sudeste e no sul, onde muitos nordestinos estavam sendo perseguidos e mortos, os combatentes aliados vindos do nordeste eram uma força eficiente e destemida que fazia a diferença. Com ordens de proteger os conterrâneos radicados no sudeste e no sul, os revolucionários nordestinos não mediam esforços. E assim, o irracional sangue dos intolerantes tingia de vermelho os campos e as paredes das cidades. Era mais prazeroso alimentar e dar água a um cão faminto do que dar água ou ração a um intolerante racista moribundo a clamar por uma mísera gota do líquido vital. E assim os corpos se amontoavam para incineração. Quando faltava energia, não raro as noites eram iluminadas pelos amontoados de cadáveres em chamas. Pouco a pouco a irracionalidade foi tomando ares de consensualidade no que dizia respeito aos rumos do conflito e seu final, pois os poderes centrais já não se sustentavam mais, e vários segmentos das forças armadas claramente tomavam simpatia pelo movimento. Além do mais, todos estavam cansados daquela loucura, que em apenas pouco mais de um ano já registrava um número exorbitante de vítimas. Vinham à tona os massacres estoteantes executados em nome da justiça e da “Nova Ordem”. Ao fim de tudo, pairava no ar a pergunta inquietante e persistente: valeu realmente o resultado da guerra em detrimento de tamanho sacrifício humano?