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Oitava Parte

Oitava Parte

                         Oitava Parte

                     A Oferta da FEMA

Em diversos lugares, caminhões frigoríficos mantinham “estoques” de corpos a espera de sepultamentos coletivos, pois muitos familiares simplesmente não aceitavam a ideia de ver seus entes queridos vitimados pelo conflito, serem queimados como porcos assados. Assim, se não era possível sepultá-los de maneira digna e honrosa, aguardavam o momento oportuno para poder fazer, quer de maneira coletiva ou individual, porém com o devido respeito e o cerimonial que todo ser humano merece. Claro que dada a situação, momentos oportunos eram raros, motivo pelo qual havia tantos corpos em estoque aguardando por enterro. Quando o Governo dos Estados Unidos, através da FEMA*, ofereceu ao Brasil um enorme estoque de seus caixões – cada unidade dos quais com capacidade para pelo menos quatro corpos –, o Governo brasileiro gentilmente recusou a oferta, por considerar a ideia um modo indireto de intervenção estadunidense em assuntos internos do Brasil. Mas a oferta realmente tinha caráter preventivo e até humanitário. Humanitário porque aos olhos do mundo parecia bárbaro o que acontecia aqui, onde as notícias falavam de enormes amontoados de corpos sendo queimado todos os dias, ao invés de serem enterrados dignamente. Preventivo porque os caixões da FEMA, pela capacidade de contenção e isolamento, evitariam que corpos em decomposição ficassem expostos a céu aberto, algo muito perigoso – e que sabidamente já acontecia em todas as áreas abrangidas pelo conflito aterrador. Além do mais, a quantidade de caixões oferecidos pela FEMA era assombrosa, pelo menos meio milhão de unidades. Aceitar o “presente” seria como admitir que as informações “desencontradas e confusas” que falavam de terríveis massacres, tinham fundamento. E o Governo brasileiro não estava nem um pouco disposto a admitir que as coisas estavam fora de controle. Aceitar aquela generosa doação de quinhentos mil supercaixões era como admitir que pelo menos dois milhões de brasileiros perderiam a vida naquela “briguinha de família”, como brincou certa vez o Presidente, em entrevista a um jornalista da CNN. “A imprensa está exagerando, vocês estão vendo o King Kong onde só existe um pobre miquinho de circo querendo aparecer. Isso é apenas uma briguinha de família, e assim como toda briguinha de família, logo tudo vai ficar bem e ninguém vai mais se lembrar do que aconteceu. Como diz a Bíblia: ‘e nem subirão ao coração, pois as coisas anteriores já serão parte do passado.’” Os acontecimentos futuros mostrariam o quanto o Presidente estava enganado com relação àquela “briguinha de família” que supostamente logo seria esquecida. A história, por sua vez, seria testemunha de suas mentiras e da verdade que ele insistia em tentar esconder do mundo. Porque milhares de mortes poderiam ter sido evitadas, se ele tão somente fosse menos inflexível em seu comando do país, haja vista ser ele o Comandante em chefe das Forças Armadas, que às suas ordens, bombardearam várias cidades, “redutos de rebeldes”, matando muita gente inocente, principalmente mulheres e crianças. Hospitais foram pelos ares levando junto centenas de pacientes indefesos. Escolas viraram pó, e a calamidade sob seu comando só não foi maior por causa do Golpe de Estado que viria depô-lo ainda em tempo de evitar a ruína completa do país – nesse ponto, o Golpe Militar viria como uma bênção, conseguindo inclusive aliviar as pesadas culpas do passado. Porque dessa vez eles agiriam para salvar o país e restabelecer a ordem, e não para estabelecer uma nova ditadura. O golpe derrubaria um governo democrático, constitucionalmente legítimo, o qual porém, em suas atribuições, não correspondia mais aos interesses da nação, a partir do momento em que passou a usar seu imenso poder contra seu próprio povo, de maneira desproporcional, arbitrária e autocrática. Ele traíu sua posição como líder, pois o poder que lhe havia sido conferido e com o qual deveria cuidar e proteger seu povo, fora desviado para fins de tirania, ao passo que sempre estivera envolvido em escândalos de corrupção. Se não fora pelo golpe, patrocinado pelas forças armadas, dificilmente a guerra teria terminado em menos de dois anos. E graças ao golpe, que não teria a finalidade de restabelecer o regime militar, finalmente a URNON e os militares poderiam se sentar à mesa de negociações com o objetivo de tentar pôr fim ao conflito, pois os militares desejariam de fato acabar com o banho de sangue vergonhoso perpetrado “em nome da Democracia e da Unidade Nacional”, ainda que isto significasse o desmembramento do país, algo que fariam de tudo para impedir, porém sem derramamento inútil de sangue inocente. Naquele futuro próximo, existiria realmente boa vontade por parte dos militares, de acabar com o banho de sangue que manchava o espírito pacífico dos brasileiros e assombrava o mundo. Disso ninguém poderia duvidar. *FEMA: Federal Emergency Management Agency é uma agência governamental, cuja finalidade é reduzir as perdas de vidas humanas e diminuir os prejuízos materiais, proteger a nação (EUA) de todos os desastres, incluindo tragédias naturais, atos de terrorismo, e outros desastres provocados pelo homem.