Décima Parte
Décima Parte
Nordeste - O Massacre dos Samangos
Por todos os estados, a revolta contra a polícia era generalizada, como se a instituição fosse a grande culpada por toda a desgraça nacional. Não se via mais policiais uniformizados, porque o terror era total e o lema corrente era: “samango bom é samango morto!”. Quem era policial, guardava isso como segredo de estado. Ninguém queria ser confundido com policial, ninguém queria ser amigo ou parente de policial, ninguém queria ser vizinho de policial, ninguém queria sequer ser conhecido de policial. Principalmente no Nordeste, era um risco muito grande ser considerado simpatizante ou “paga pau” de samango. Isso podia significar a diferença entre a vida e a morte. Uma coisa era incontestável: visto que toda ação, positiva ou negativa, gera uma reação também positiva ou negativa, era óbvio que nesse caso específico, a raiva adquirida durante muito tempo diante de abusos de poder e arbitrariedades cometidos pelas polícias em todos os cantos do Brasil, era a consequência negativa de desencadeamento de todo aquele ódio e indignação mortais. Por tudo isso, ser policial naqueles tempos críticos era possuir passaporte para o inferno. Assim, um número enorme de policiais se sentiam muito mais seguros servindo aos interesses da revolução, sem no entanto jamais demonstrar que outrora haviam vestido a farda da polícia. Geralmente preferiam não dar trela pro azar, por isso destruiam qualquer documentação pessoal e deixavam que a barba crescesse até ficar bem profusa e com cara de Fidel.* Na internet, centenas de vídeos degradantes mostravam policiais humilhando sadicamente adolescentes e crianças, em atitudes perversas, covardes e repreensíveis. Tais vídeos passaram a ser usados para fomentar ainda mais a perseguição feroz e justificar a crueldade contra “a corja covarde e corrupta”. De repente, a internet ficou repleta de vídeos que mostravam policiais sendo humilhados de todas as formas inimagináveis (até com cenas de estupros coletivos e castrações sumárias), implorando pela vida, choramingando a clamar por “misericórdia em nome de Nossa Senhora” e tantos outros santos que era até difícil decorar os nomes. Na verdade eram tantos os santos invocados que muita gente sequer imaginava que os mesmos existissem. Era uma verdadeira salada mista de santos. “É o fim do baculejo truculento e das humilhações sádicas. É hora dos baculejadores sentirem um pouco do seu próprio veneno. De baculejadores a buculejados. De humilhadores a humilhados. [...] Olho por olho, dente por dente”. Lá pràs tantas, já tinha samango implorando até em nome de um certo líder revolucionário que ganhara status de santo – não se sabe se por terror ou por merecimento. Era um pernambucano que demonstrava tanto ódio por policiais que ninguém queria cair em suas mãos. Com ele os direitos humanos existiam apenas na diplomacia de suas belas e bem colocadas palavras. Na prática, desconfiava-se de que toneladas de fardados e paisanas eram incinerados sob suas ordens. Então não era de todo sem sentido implorar em nome desse “santo” homem que parecia possuir as chaves do céu e do inferno. Porém, na maioria das vezes o que ficava no ar eram somente os pedidos de clemência, porque os pobres coitados, quando não levavam uma rajada de balas, era porque seriam conduzidos ao inferno dos crematórios clandestinos que não paravam de lançar fumaça no “céu da Pátria”, ocultando “o sol da liberdade em raios fúlgidos”. Do litoral ao sertão, do sertão ressequido às “margens plácidas” do São Francisco, as velhas terras de Maurício de Nassau eram testemunhas fiéis do “brado retumbante” que ecoava “de um povo heroico” cheio de revolta e decidido a pôr fim às injustiças históricas e à cruel desigualdade vigentes desde sempre. * Cerca de seis meses antes do fim da guerra, as lideranças dicidiriam que todos os ex-policiais que estivessem lutando pela causa separatista, estavam perdoados, devendo ser tratados não pelo que haviam sido outrora, mas pelo que haviam feito em nome dos ideais revolucionários.