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    Nas Garras da Walküre

 

Ao chegar à casa de Suzanna, notou um carro estacionado logo atrás do seu. Provavelmente de alguma amiga da faculdade ou do trabalho, ou mesmo de algum parente que veio visitá-la.

 

Bateu na porta. Uma jovem loira simpática e muito bonita abriu. Ele a cumprimentou sorridente e se apresentou como namorado de Suzanna. A moça disse que era prima, que acabara de chegar de Barretos para visitar Suzanna, e mandou-o entrar. Ele agradeceu e entrou, olhando pros lados, ainda surpreso com a inesperada presença de uma prima de Suzanna.

 

    – Onde está ela?

 

    – Ah! Está tomando banho, acho que está se preparando pra você.

 

Augusto colocou a pizza e o refrigerante ali mesmo na sala, numa mesinha de centro. Dava pra ouvir o som do chuveiro.

 

    – E então – perguntou ele, tentando ser simpático –, Chegou hoje?

 

    – Na verdade, acabei de chegar.

 

    – Legal.

 

    – Ah! Eu sou a Walküre!

 

    – “Wal” o quê? Brincou ele diante da pronúncia que parecia dobrar a língua da moça.

 

    – Walküre, é um nome alemão. Mas não liga, pode me chamar de Val, acho bem mais bacana, além de ser menos constrangedor. Imagine, um nome alemão num país quase que totalmente mestiço como o Brasil.

 

    – Eu achei um nome bem interessante, diferente. Quer dizer, não o nome, mas a pronúncia, entende?

 

    – Sei lá, acho que esse negócio de “w” com “k” e ainda por cima um trema em cima do “u” é meio que criminoso, porque não tem nada a vez com a gente. Somos brasileiros, né? – ela abriu os braços num gesto aberto. – Esse papo de nome estrangeiro é um saco.

 

Ele sorriu diante da simpatia e inocente graciosidade de Val, a brasileira mais alemoa que ele já vira em toda sua vida. Embora Suzanna fosse loira, não deixava de ter traços brasileiros. Já sua prima Val, além de ter belos olhos azuis, era de uma ruivez que mais parecia uma genuína alemã. Mas sua simpatia estava além de sua aparência.

 

    – Eu sou o Augusto, muito prazer.

 

    – Igualmente. Ah, eu estava louca pra conhecer o namoradinho de minha priminha. Você é exatamente como ela me disse. Quer dizer, mais bonito assim, pessoalmente, né?

 

    – É mesmo? Ela falou tanto assim de mim pra você?

 

    – Oh! Mas acho que eu é que falei demais agora, né?

 

    – Não, não, está tudo bem. É que ela não é de falar muito de sua família.

 

    – Quer dizer que ela nunca falou de mim pra você?

 

    – A gente não se conhece há tanto tempo assim, talvez ela estivesse esperando o tempo certo.

 

    – Sei.

 

Por um momento ficaram em silêncio, sem saber o que dizer. Foi ela quem quebrou o gelo, toda sorridente e espontânea.

 

    – Uau! Hum! Essa pizza deve estar deliciosa. E acompanhada de Coca-cola ainda, matou a pau. Eu estou morrendo de fome. Que tal uma bebida enquanto esperamos que a princesa nos dê a honra de sua presença?

 

    – Boa idéia, eu aceito. Mas deixa que eu sirvo.

 

Os olhos de Walküre quase soltaram faíscas.

 

    – Não, não! Eu faço questão de servir meu novo priminho!

 

Ele deu de ombros com um sorriso, já se sentando no sofá.

 

    – Então está bem. Se faz questão, não vamos brigar, não é mesmo?

 

Walküre foi até o barzinho e pegou duas taças. Colocou uma dose generosa de uísque. Em seguida, disfarçadamente retirou um frasquinho do bolso da blusa e despejou numa das taças o líquido insípido, inodoro e inócuo, porém de um poder alucinógeno arrebatador. Com a mão direita, pegou a taça que continha a droga, com a esquerda a outra. Entregou a taça direita a Augusto e propôs um brinde.

 

    – Salve! Ao meu mais novo priminho!

 

    – Salve César, os que vão morrer te saúdam! – brincou ele, já se sentindo bem à vontade com a prima de Suzanna.

 

    – Hum! Além de bonito, culto! Muito interessante. Adoro esta frase em seu original latim, “ave Caesar, morituri te salutant”. Mas a tradução é belíssima, embora a pronúncia original seja mais... original, né?

 

   – Faz sentido, riu ele.

 

Beberam ao mesmo tempo, depois sentaram no sofá e ficaram em silêncio, enquanto o som do chuveiro continuava a ser ouvido. Estranhamente, nenhum som de espuma ou movimentos, só a água caindo continuamente.

 

    – Escuta, tem algo estranho, você não acha?

 

    – Por quê?

 

   – Não há movimentos no banheiro, só água do chuveiro caindo. Espera aí, vou ver se está tudo bem com Suzanna.

 

A moça não teve qualquer reação contrária, apenas permaneceu sentada, as belas pernas cruzadas, olhando ele caminhar na direção do banheiro. Colocou a taça na mesinha de centro e abriu a embalagem da pizza. Pegou uma fatia e fechou os olhos, saboreando. Augusto parecia ter trazido a pizza para ela. Adorava a tradicionalíssima mussarela e calabresa.

 

Augusto bateu na porta do banheiro e chamou por Suzanna, mas ela não respondeu. Ele achou que ela estivesse brincando e se recostou na porta, aguardando que ela abrisse. Só o silêncio. Ele olhou para Walküre, que continuava sentada no sofá, indiferente, e subitamente sentiu uma forte tontura, algo tão imprevisível e intenso que o fez desequilibra-se e quase ir ao chão num baque inesperado. Recobrando-se do impacto, esfregou os olhos, antes de abrir a porta do banheiro e dar de cara com Suzanna estendida no chão e a água do chuveiro caindo sobre ela.

 

Entrou rapidamente e pegou a namorada nos braços, completamente nua.

 

    – Val, chame o 192, rápido!

 

Mas a garota não parecia estar muito preocupada com a situação, quando chegou à entrada do banheiro e recostou-se com um celular à mão.

 

    – Liga logo pra emergência, droga!

 

    – Pois não, respondeu ela calmamente, enquanto discava alguns números. – Salve! Missão cumprida, mande imediatamente o pessoal.

 

    – Ok, Walküre 50. Parabéns – respondeu a pessoa que atendeu. – Vá curtir o fim de semana, você merece.

 

Augusto estava perdendo não somente as forças, mas todo o poder de concentração.

 

    – O que você fez com a gente, garota...

 

Antes mesmo que ele terminasse a frase, foi dominado por uma vertigem tão intensa que o fez flutuar no vazio, como se repentinamente o chão tivesse sido retirado de debaixo de seus pés. Não conseguia mais manter a serenidade ou o equilíbrio, tudo estava se desvanecendo, como se o mundo estivesse deixando de existir. Walküre de repente ganhava asas como uma mulher-morcego, batendo as asas bem na sua frente, brilhando como uma estrela, enquanto as paredes da casa tombavam pros lados e desapareciam, ficando só o vazio negro e aterrador, onde automóveis e caminhões flutuavam pegando fogo em meio a corpos inertes e sem vida. Suzanna começou a afastar-se dele, sendo engolida pela escuridão. Tentou segurá-la, mas uma força maior que ele o paralisava completamente e o devorava sugando-lhe as forças. E então foi sendo invadido por uma paz muito serena, ao mesmo tempo em que ia apagando, sumindo, sumindo, sumindo... Até que num impulso, uma convulsão o sacudiu espasmodicamente, e uma dor tênue o tragou num universo de trevas.