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O Segredo do Google Negro
Durante a semana, o trabalho foi intenso, mas todas as cirurgias tiveram êxito. As equipes comemoraram, enquanto em salas de recuperação de alto nível, pessoas simples recebiam tratamento especial. Ali permaneceriam até o fim da recuperação, com tratamento e cuidados que não teriam jamais em hospitais da rede pública, assim como em muitos particulares.
Enquanto isso, em outro setor, estava prestes a começar a parte mais sombria e misteriosa. Depois de verificar todas as fichas dos “voluntários” e os resultados de exames médicos, e sendo constatado pelo “setor de qualidade” que tudo estava em ordem, um relatório era enviado ao Dr. Schneider, que então assinava a liberação para início dos trabalhos finais que antecediam os eventos.
Com a liberação assinada, um gás inodoro e incolor era liberado via ar condicionado em todos os subdiretórios, onde se encontravam as “unidades”. Sem se aperceber do que estava acontecendo, os jovens absorviam o produto que penetrava pela respiração diretamente em suas correntes sanguíneas, levando instantaneamente todos a uma espécie de transe. Quando o gás, por fim, era retirado dos subdiretórios, tudo que restava era uma espécie de zumbilândia, com dezenas de jovens parados e olhares fixos, meros mortos vivos, sem qualquer movimento espontâneo ou controle de seus atos. Não obstante, plenamente cientes de suas ações e tudo que acontecia ao seu redor, embora sem nenhum controle que os impedisse. Era como se não passassem de meros espectadores em seus próprios corpos submissos.
A um comando de despir-se de suas roupas, a obediência era imediata e mecânica, embora não o quisessem fazê-lo. Acionado um botão no centro de controle, as portas de aço se abriam e todos recebiam ordens de colocar-se em fila na parte externa. Uma fila interminável de garotos e garotas nus e sem nenhum controle sobre suas próprias mentes e corpos, embora conscientes.
Uma música suave e inebriante envolvia todo o ambiente, enquanto luzes multicoloridas piscavam incessantemente, aumentando a sensação de vazio e dependência incondicional.
Enquanto isso, sob a observação atenta das câmeras, cada rosto era fotografado e analisado. Se o olhar vacilava, isto era um sinal de que a “unidade” não estava cem por cento. Separada das demais, recebia uma dose extra por meio de um inalador, completando o ciclo escravizante.
Finalmente, uma voz calma e suave era ouvida por meio de um alto-falante.
– Sigam em frente, meus filhos. Vão de encontro à luz.
E as filas iniciavam uma marcha preguiçosa em direção ao fim de um longo corredor que ia se desviando para a direita onde uma luz muito intensa piscava hipnotizante a partir de uma abertura circular acima de uma porta automática de aço, divisa entre o setor humano e a JIA, ou ”Jurisdição de Inteligência Artificial”.
Se olhos humanos pudessem ver a partir de dentro, entenderiam toda a ação macabra que ocorria assim que “as unidades” adentravam o espaço restrito.
O processo totalmente robotizado era muito eficiente nas decapitações rápidas. Mal os corpos caíam sobre a esteira, mãos mecânicas estiravam seus braços e pernas, separando-os com cortes perfeitos. Numa habilidade impressionante tudo já ia sendo despachado na devida ordem. No passo seguinte, órgãos eram retirados e separados, para aproveitamento ou para o forno de incineração. E assim seguia o processo até que a fila inteira por fim acabasse. No fim de tudo o que restava era a matéria já pronta para a última etapa, na qual era moída juntamente com carne bovina e por fim despachada para o frigorífico, de onde saía a liberação para o último processo, ou seja: o consumo.
Todo o sangue acumulado seguia para um reservatório, onde num percentual menor, era misturado a inúmeros outros produtos, entre os quais a maior quantidade era composta de álcool puro. Após um intenso trabalho de fervura em enormes recipientes numa elevada temperatura, o produto era resfriado e depositado em barris de madeira, que eram deixados num porão escuro. Uma parte desses barris seria distribuída nos eventos públicos. Mas havia o depósito com os barris antigos, nos quais a porcentagem de sangue era mais generosa e ousada que o produto do estoque reservado ao Google Negro. Estes eram reservados à elite. Somente para ocasiões especiais, às quais estava incluída “A Noite dos Lordes”.