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A Abominação Sagrada
Era 31 de outubro, e tudo estava preparado para a “Noite dos Lordes”, enquanto no 4º Batalhão de Aviação do Exército, na cidade de Manaus, algumas cabeças graduadas, reunidas secretamente, tentavam chegar a um consenso sobre o desaparecimento de um de seus helicópteros, empenhado numa missão sigilosa que não podia vir ao conhecimento da população e do Congresso. A mentira pública já havia colocado uma pedra sobre o caso. Mas nos bastidores, cabeças pegavam fogo diante das conseqüências que viriam na retaguarda de sua mentira.
No ínterim, no obscuro domínio da Irmandade Ancião, tudo estava pronto para o ritual anglófono, com suas comidas excêntricas, suas bebidas estranhas, seus complexos cerimoniais, suas caçadas humanas noturnas, suas depravadas orgias, seus sacrifícios humanos, e, é claro, seu pomposo e misterioso séquito de adoradores vips, oriundos de vários países e das camadas sociais mais “nobres” e inacessíveis – incluindo gente de sangue azul –, um mar de gente cheia de segredos e desejos execráveis porém exeqüíveis em surdina, todos cúmplices das mesmas sujeiras e abominações.
Era o lado negro da irmandade, o preço a ser pago pelo poder e pelas muitas conquistas científicas que em breve lhes dariam toda glória no mundo dos homens. Da cura de doenças mortais a chips tão avançados que permitiam pessoas cegas enxergarem tão bem quanto qualquer um, sem a necessidade de um implante de córneas. Da descoberta de novas espécies de vida selvagem a uma droga tão eficiente que substituiria vários medicamentos atualmente em uso. De métodos avançadíssimos de cirurgias a um novo produto ainda em fase experimental que prometia retardar em pelo menos vinte por cento os efeitos da velhice, aumentando a longevidade humana e criando um suposto “precedente científico na luta contra a morte pré-centenária”.
Era o senso de justiça humano colocado a prova, o perverso e reprovável a serviço do bem e do mal. O lado mais bizarro de nossa humanidade aliado aos instintos mais insanos e incompreensíveis. Era enfim o homem a serviço do Diabo, brincando de Deus.
Porém, era fato consumado: para o pleno progresso científico em curto prazo, sacrifícios eram necessários. Para o bem e libertação da própria raça humana, sempre escrava da morte e da dor, nenhum sacrifício estava à altura de tamanha conquista.
Um milhão de jovens fosse necessário sacrificar em prol da cura da dor e da descoberta da imortalidade, um milhão de jovens seria sacrificado, sem remorso e sem culpa.
Numa das visões mais infernais e aterradoras que um ser humano comum poderia conceber em seus piores pesadelos, centenas de pessoas encapuzadas assistiam excitadas enquanto vários jovens nus e mascarados, entre meninos e meninas, desfilavam mecanicamente na direção de uma enorme piscina negra que se estendia por debaixo de uma parede rumo à escuridão. Ritmados pela latência morta da “sacra canção dos iluminados”, executada pela mórbida e eloqüente vocalização de um baixo oculto, os jovens se postavam a beira da piscina, sob o tenso silêncio da nobre assistência em transe de expectativa.
De repente, das águas, emergindo qual pavor mais aterrorizante, olhos monstruosos de criaturas gigantes e famintas oriundas dos recônditos mais esquecidos da pré-história amazônica. Anacondas tão grandes que pareciam ironizar a própria vida. Concentradas e viciadas em carne humana, abocanhavam os jovens drogados, inertes em sua racionalidade estática e à mercê, arrastando-os para as profundezas, e causando um frisson coletivo e delirante na platéia em êxtase e tomada por uma excitação que os arrebatava em loucuras de perversões sexuais tão abrasivas que muitos entravam em orgasmos múltiplos diante da visão dantesca.
Por todos os lados, lá estava o repugnante a serviço do mórbido prazer de gente adepta de perversão necrofílica, entregando-se à luxúria mais desprezível com suas vítimas cadavéricas inertes, recém desprovidas de fôlego vital, por asfixia ou por qualquer meio desejado – porque suas vítimas não podiam revidar, ou fugir, ou dizer “não”, apenas marejar, sentir, contemplar e sucumbir diante de terrores jamais imaginados –, às mãos de escrotos dos níveis mais baixos dentre todas as escórias humanas. Isto era um mero detalhe da nojenta realidade, macabra em seus extremos mais asquerosos. E sequer imaginar que por detrás de toda aquela maldita sordidez existia um cínico e “nobre objetivo científico”, transformava toda aquela maquiavélica e infame fortaleza na mais perversa e hedionda de todas as ironias.
Se Deus existia, ele certamente estava de olhos fechados a toda aquela insanidade. No entanto, não havia como duvidar da existência de Baal-Zebub*, pois indubitavelmente em tudo aquilo havia a mão maligna de uma força sobrenatural disposta a brincar com a vida humana, das formas mais cruéis e demoníacas.