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Na Toca do Lobo
Gradualmente Lawrie foi abrindo os olhos. Ainda sentia a vertigem, e uma dor de cabeça que não chegava a incomodar muito.
Uma voz ecoou indistinta, como se estivesse vindo de muito distante. Tudo muito confuso para ser compreendido naquele momento.
– Você ta legal?
Aos poucos Lawrie foi se recobrando totalmente.
– André...
Balbuciou ela, ainda em completa confusão mental. Estava deitada numa cama, sendo observada por vários jovens com olhares atentos e curiosos.
– Quem são vocês?
Depois que Lawrie se recuperou totalmente, os jovens se apresentaram, mas todos estavam tão cheios de perguntas quanto ela. Aos poucos ela foi entendendo o que havia acontecido, pois todas as histórias daqueles jovens eram muito parecidas e coincidiam com a sua. Os rapazes haviam conhecido alguma bela garota, que após seduzi-los e convidá-los para um drinque em seu apartamento, os dopara com algum tipo de produto alucinógeno. As moças haviam sido seduzidas por algum rapaz encantador e irresistível, e da mesma forma, convidadas para beber alguma coisa em seu apartamento. E o resto, todos já sabiam. Um detalhe, no entanto não podia passar despercebido: todos aqueles jovens eram de lugares diferentes, cidades, estados etc. E as descrições que faziam de seus dopadores divergiam. Até parecia que havia um verdadeiro exército de jovens por aí dopando outros jovens e seqüestrando-os sabe-se lá com que finalidade.
– O que é isso? – perguntou Lawrie observando as paredes negras do cômodo espaçoso fechado por uma porta de aço com uma janelinha trancada, à altura dos olhos. – É uma cela de prisão?
– Eles chamam de... “Subdiretório”. No nosso caso, “Subdiretório A-4”.
– “Subdiretório”? Significa que apenas somos parte de algo maior?
– É o que parece – completou o rapaz loiro dando de ombros.
– Que loucura é essa?
– Supomos que se fazemos parte de um suposto “Subdiretório A-4” – prosseguiu uma moça sentando ao lado de Lawrie –, ou como eles falam, “SD-A4”, então existem outros três SD’s neste mesmo diretório. E possivelmente, com outros jovens tolos assim como nós, cheios de perguntas sem respostas.
– Oh, meu Deus...
– Tenha calma – a jovem abraçou Lawrie, tentando confortá-la. – Até agora ninguém foi maltratado. Na verdade somos relativamente bem tratados.
– Até demais pro meu gosto – completou outra moça. – Só gostaríamos de entender tudo isso, meu Deus. Afinal o que eles querem com a gente? Que fomos seqüestrados é fato. De resto, não sabemos mais nada. Nem conseguimos ver ou sequer ouvir o que rola lá fora.
– Eu não consigo entender, lamentou Lawrie.
–Todos estamos no mesmo barco... Qual o seu nome mesmo?
–Ah! Perdoem-me – respondeu Lawrie enxugando as lágrimas. –, meu nome é Lawrie.
–Muito prazer, Lawrie, eu me chamo Juliano Nogueira.
O jovem era muito amável e tinha um forte sotaque nordestino. Foi ele quem fez as devidas apresentações.
Lawrie estava perplexa. Dos dez jovens que estavam naquele “subdiretório”, incluindo ela, todos eram de famílias ricas. Nenhum era casado, comprometido de alguma forma, menor de dezoito ou maior de 35 anos. E o mais inquietante: todas as meninas tinham sido abordadas e seduzidas por um belo jovem de nome “André”, assim como ela. Já os rapazes, todos haviam sido vítimas de uma garota muito bonita de nome “Valquíria” ou coisa parecida. No entanto, apesar dos nomes em comum, as descrições que cada um fazia de seu enganador, diferenciavam consideravelmente, embora todos fossem muito bonitos. Havia um padrão nas abordagens e procedimentos, fator indicativo e determinante de que todos pertenciam à mesma escola do crime. E eles, definitivamente, eram realmente muito bons no que faziam. Cabia apenas às vítimas a atitude de ceder ou não aos seus encantos.
Como diz o ditado, “quando a esmola é demais o santo desconfia.”
Todos aqueles jovens eram de nível universitário, e nenhum viera de família pobre. O mais velho, Glauber Noronha, tinha 30 anos e era um jovem publicitário de Recife.
Juliano Nogueira Magalhães, 24 anos, era um jovem delicado e idealista, pertencente a uma poderosa família nordestina. Estudante de engenharia na Universidade Federal de Pernambuco, tinha muito interesse em causas sociais.
O segundo mais velho era o Jean Pierre, um canadense de 28 anos que chegara ao Brasil para passar férias em Salvador, e acabou caindo na lábia de uma garota excepcionalmente bonita.
Tinha também a jovem médica Diana, de 26 anos.
Maria Ana, de 29 anos, era professora universitária em Vitória.
Dolores Andrade, de 21 anos, a mais jovem do grupo, era estudante de Direito numa faculdade de Campinas.
Carlos de Deus, 22 anos, era surfista e estava de viagem pronta para o Havaí quando foi dopado por uma “morena arrebatadora” que o convidou para beber algo com ela em seu apartamento, num bairro nobre de Fortaleza.
Henrique Freire, 25 anos, estava se preparando para inaugurar sua loja de materiais esportivos no Bairro da Penha, em São Paulo, quando foi seduzido por uma loira lindíssima que o enganou sem precisar desprender muito esforço.
Patrícia Albuquerque tinha a mesma idade de Lawrie, 23 anos, terminara a faculdade de Direito e era estagiária no escritório de advocacia de seu pai, no bairro do Jabaquara, na capital Paulista.
– Tudo isso é muito confuso.
Lawrie levantou-se da cama e começou a analisar o ambiente. Era um cômodo não muito amplo, mas a organização e limpeza o deixavam com aparência de mais espaço do que de fato possuía. Com cinco beliches, três de um lado e dois do outro, até parecia um quartinho de um orfanato que ela visitara alguns anos antes. Uma das camas, na parte inferior do primeiro beliche à esquerda, estava muito arrumada, claramente sem usuário, o que indicava que evidentemente pertencia a ela. Pra completar, dois travesseiros muito brancos, dois lençóis dobrados, um sobre o outro, e uma toalha de banho, também impecavelmente dobrada.
Um suave cheiro de produto de limpeza pairava no ar. Num dos cantos, uma estante cheia de livros. Numa das paredes, uns dois metros acima do piso, um monitor de televisão. Abaixo do monitor, uma geladeira pequena, enfeitada com um jarro de flores e alguns pingüins de gesso. Ao lado da geladeira, uma porta dava acesso a um banheiro.
Lentamente e sob os olhares dos demais jovens, Lawrie se dirigiu ao banheiro. Entrou e ficou observando incrédula. Havia um boxe. O espelho chamou sua atenção. Ela puxou a alça, abrindo o compartimento sob o espelho, e notou uma variedade de produtos de higiene pessoal, entre xampus, sabonetes, hidratantes etc. uma caixinha com uma escova de dente intocada não deixava dúvidas de que pertencia a ela.
De repente um enjôo a fez curvar-se com a mão à boca. Correu para o vaso sanitário ciente de que iria vomitar. Mas a ação não se completou. Ergueu-se devagar e voltou a fazer uma análise do ambiente.
Tudo parecia ter sido meticulosamente calculado, preparado para receber cada um deles.
Lawrie se olhou no espelho. Estava com uma aparência abatida e exausta. Por quanto tempo dormira? O que aconteceu enquanto ela esteve dopada? Como pôde se deixar enganar por alguém que ela mal conhecia? Qual o objetivo de tudo aquilo?
Se Lawrie pudesse ver além do espelho, certamente ficaria muito mais grilada com a infinidade de monitores constantemente vigiados por vários pares de olhares frios e muito atentos. Olhares que pareciam perscrutar o interior de sua alma, enquanto ela tocava a face, desconcertada com as olheiras que pareciam denunciar noites sem dormir.
Uma mulher se aproximou de um dos monitores e fixou demoradamente o olhar de Lawrie, como se adentrasse sua alma. Pareciam estar frente a frente, se olhando cara a cara.
– Tem algo estranho com a unidade 10, do lote 06, SD-A4 – a mulher continuou a observar o comportamento de Lawrie. – Ela ainda não comeu nada?
– Não, senhora. Ela acordou apenas meia hora atrás.
– Certo. Ela ficou desacordada por dezesseis horas seguidas. Mande que sirvam imediatamente algo para ela comer. E fiquem de olho nela. Qualquer reação estranha à comida, me avisem.
– Sim, senhora. – O jovem pegou imediatamente um dos três telefones na mesa e discou rapidamente alguns números. – Salve! – sua saudação foi correspondida do outro lado da linha. –Enviem imediatamente o desjejum para a unidade 10, no lote 06, SD-A4.
Lawrie sentiu um arrepio, uma estranha sensação de estar sendo observada. Imediatamente afastou-se do espelho e saiu do banheiro.
A mulher se virou com firmeza militar e dirigiu-se rumo à saída, mas parou por um momento, mãos às costas. Após alguns segundos de reflexão, se virou e ordenou:
– Assim que a U-10 fizer seu desjejum, mande prepará-la para passar na enfermaria.
Naquela tarde, Lawrie foi levada até uma enfermaria, onde foi analisada por um médico. Respondeu a várias perguntas, e como previamente orientada, manteve-se calada, restringindo-se apenas a responder. Uma mulher com cara de poucos amigos acompanhou tudo, atenta. Após examinar Lawrie o médico puxou a cortina e se dirigiu à mulher. Chegando bem perto, sorriu com evidente ironia.
– Parabéns! – sussurrou ele sério. – Vamos ter um bebê na organização.
– O quê? – Espantou-se ela. – Como assim? Ela está grávida? Você tem certeza disso?
A mulher parecia chocada, horrorizada.
– Claro! Certeza absoluta. Tempo aproximado de gestação, pelo menos umas oito semanas.
A mulher saiu da sala, visivelmente transtornada e indignada. No mesmo instante, os dois homens que haviam trazido Lawrie, entraram na sala. Lawrie os olhou confusa, em seguida virou-se para o médico, pronta para perguntar algo, mas ele a interrompeu com um sorriso.
– Tudo vai acabar bem, não se preocupe.
Lawrie se levantou e ficou de pé, pronta para ser levada de volta para o quarto. Os dois homens abriram passagem para ela, acompanhando-a em seguida.