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          O Império da Morte

 

Vista do alto, a mansão mais parecia uma imensa fortaleza inexpugnável, longe da civilização e com um espaço aéreo tranqüilo, exceto pelo alvoroço da vida abundante que fazia daquele lugar um verdadeiro paraíso protegido e desconhecido, parte fruto da natureza generosa, parte fruto da mente engenhosa do Dr. Schneider, que desembolsara altos investimentos para a concretização de um sonhado objetivo.

 

A partir da principal rodovia naquela região inóspita, uma estrada de terra seguia por cerca de sessenta quilômetros adentrando a mata. Ao chegar ao “Riacho Negro”, última etapa para acessar a selva densa, uma ponte delimitava a fronteira inicial de acesso aos domínios da Irmandade Sangue Azul. Mais uns quinze quilômetros dentro da selva, e lá estava a mansão, que gozava de um excelente espaço embelezado por belos jardins com fontes e uma infinidade de luxos. Uma muralha muito alta circundava toda a área da mansão. Sobre a muralha, guaritas com guardas bem armados e câmeras mantinham vigilância constante.

 

O que poderia eventualmente parecer uma obsessão ou mesmo algo desnecessário naquele fim de mundo era mais que apropriado, haja vista o tamanho da curiosidade que existia com relação às atividades secretas da organização. No ínterim, embora muito se especulasse sobre a existência daquela enorme estrutura, o fato é que ninguém tinha certeza de nada, e muito menos se fazia qualquer menção à sua real localização.  Tudo que existia era especulação, em sua maioria, absolutamente equivocadas, embora algumas chegassem bem perto da verdade. Perigosamente perto.

 

Cerca de cem metros além dos muros, postes de concreto sustentavam uma cerca elétrica que seguia por toda a extensão da área onde estava localizado o complexo. Numa vigilância constante, três viaturas completavam a segurança do perímetro, sempre em movimento no espaço entre a cerca elétrica e a muralha.

 

Dificilmente alguém conseguiria chegar àquele lugar, se não fosse por via aérea. Apesar disso, a segurança era extrema e muito bem preparada.

 

Quilômetros intermináveis, um mundo a perder de vista. Eram os domínios da “Fazenda Império”. Fora dos muros que cercavam todo o complexo num gigantesco quadrado que mais parecia uma fortaleza militar, o gado abundante tinha pastagem livre e acesso ao riacho cristalino onde matava a sede sem medo de seca, já que a nascente intocada e protegida no alto da serra dava garantia de vida eterna àquele paraíso, constantemente rondado por onças e outros animais predadores. Além das divisas, o que restava era o mundo intocado e pouco conhecido da maior selva do mundo, com seus rios, suas riquezas tão visadas e seus perigos naturais. Ali uma enorme população de botos, peixes bois e outras espécies viviam em paz, fora da ação predadora do homem; mas naquela região, reinavam absolutas e imponentes, também fora da perigosa atividade dos homens, sucuris de tamanho jamais imaginado pelo mundo civilizado, já chipadas e monitoradas pelo Dr. Schneider e seus cientistas, que faziam um intenso trabalho de pesquisa e catalogação com milhares de registros, fotos e vídeos, nos quais constavam muitas espécies ainda desconhecidas.    

 

Não bastasse todo o aparato externo, dentro da fortaleza, homens armados auxiliados por cachorros enormes cuidavam da segurança interna. Aquilo era a segurança preventiva no máximo de suas aptidões e recursos.

 

A vista era espetacular. O Dr. Schneider sorriu, os olhos azuis brilhando de satisfação e orgulho. Sentia-se um verdadeiro Nabucodonosor moderno, e sua função dentro da organização como fundador e Sumo Sacerdote vitalício o colocava numa posição de senhor da vida e da morte, como o poderoso monarca do antigo império neobabilônico.

 

O amplo espaço havia sido projetado para receber até dez helicópteros de uma vez, se fosse necessário. Um enorme heliporto que atendia perfeitamente as necessidades da irmandade, principalmente em termos de conforto e praticidade, no que dizia respeito à rapidez tanto na chegada como na partida.

 

Afastada uns cinqüenta metros havia uma longa pista de pouso para aviões de curto e médio porte, como um bimotor Cessna Citation X, de alcance intercontinental, que dentro de algumas horas pousaria, trazendo dez médicos cirurgiões, sendo dois brasileiros e oito europeus.

 

Tudo parecia planejado e construído tendo-se sempre em mente as eventualidades.  Afinal, imprevistos são realmente imprevisíveis e ninguém – do mais rico ao mais humilde, do mais justo ao mais inescrupuloso – está imune às suas ações. Desta forma, tanto aquela pista de pouso como o heliporto, eram de importância vital, pois sem elas o acesso seria quase uma impossibilidade, haja vista as barreiras naturais impostas pela Criação em sua generosidade e protecionismo.

 

Um hangar amplo, ladeado por três galpões auxiliares enormes, era de impressionar.

 

O helicóptero pousou e os dois homens responsáveis pela segurança do Dr. Schneider desceram. Ambos eram ex-agentes do Mossad, o eficiente e temível Instituto para Inteligência e Operações Especiais hebraico. Além do mais, ambos tinham experiência real em combate, sendo que juntos, os dois eram responsáveis por no mínimo vinte cabeças inimigas do estado judaico. Treinados em várias técnicas de combate corpo a corpo e conhecedores de todo tipo de armamentos e explosivos, eram especialistas na arte da guerra. Verdadeiras máquinas de matar. Escolhidos a dedo para trabalhar com o milionário catarinense, seus salários estavam à altura de suas aptidões militares de altíssimo nível. Mas não eram os únicos estrangeiros a trabalho da poderosa irmandade. Um ex-oficial israelense de alta patente e outros dois ex-membros da Legião Estrangeira engrossavam a nata do pequeno, mas eficiente contingente particular a serviço da organização. Também eram os responsáveis pelo treinamento de todos.

 

Assim que o Dr. Schneider desceu da aeronave, várias pessoas, entre homens e mulheres, que estavam parados a certa distância, vieram ao seu encontro. Ele os cumprimentou cordialmente e em seguida começou a caminhar rumo à mansão, sendo seguido pelo pequeno cortejo.

 

Logo em seguida um avião de pequeno porte pousou e três homens vestidos elegantemente desceram, seguindo imediatamente para dentro pela mesma entrada usada pelo Dr. Schneider.

 

Não demorou muito, um cessna 172 Skyhawk cruzou os céus, aterrissando pouco depois.  Outros dois homens desceram e seguiram apressadamente para a mansão, entrando pela mesma porta que os anteriores.

 

Cerca de dez minutos depois a torre recebeu um pedido de autorização para pousar. A autorização foi concedida imediatamente.

 

No Quadrângulo 5, Posto Avançado 1 (Noroeste), o guarda sorriu enquanto fumava a observar o Citation X cruzando os céus. Estranho como uma aeronave tão imponente poderia virar uma linda bola de fogo e um monte de fragmento retorcido, se um dos postos avançados tão somente recebesse uma ordem de abate. Olhou para a bateria antiaérea e novamente para o avião, que num segundo desapareceu. As árvores altas ao redor eram uma camuflagem perfeita. O posto fora projetado exatamente para não ser visto do alto, razão pela qual toda a estrutura era verde, inclusive a bateria antiaérea. Muito embora de certo modo isso fosse até desnecessário, já que o espaço aberto acima não era muito amplo. Só o suficiente para se ver um pouco da abóbada celeste. Claro que um disparo não dependia necessariamente de uma boa visão, já que um míssil lançado a partir de qualquer um dos vinte postos avançados encontraria o alvo muito facilmente. Difícil escapar de um, mas se isto acontecesse, não escaparia do próximo posto, e assim por diante. Dentro de tais perspectivas, era quase impossível qualquer aeronave não autorizada violar o espaço aéreo daquele pequeno império e não ser abatida antes de chegar ao centro, onde estava localizada toda a estrutura de comando. Era a tecnologia teleguiada de ponta a serviço da organização.

 

Seu companheiro o libertou de seus devaneios, devaneios estes que já o faziam vislumbrar restos de corpos sobre as árvores e um monte de pedaços da aeronave espalhados por centenas de metros, perdidos entre as árvores da mata fechada.

 

    – Tranquilo?

 

    – Hum. É essa tranqüilidade que me entedia.

 

    – Relaxa. O que nos sobra aqui, falta ao mundo lá fora.

 

O guarda deu uma tragada no cigarro e prendeu a respiração, passou a mão na cabeça do cachorro, em seguida entregou o “abre apetite” ao companheiro.

 

    – Pode ser – falou com a voz abafada comum a usuários de maconha . – Mas bem que um pouquinho de ação não é nada mal.

 

    – Relaxe, camarada, algo me diz que muito em breve teremos alguma ação por aqui.

 

    – Pode ser. Mas até lá, o que nos resta é o tédio.

 

O outro sorriu, meneando a cabeça, enquanto levava a bituca da “maledita erva” à boca e observava o insatisfeito afastar-se a olhar para o alto.

                                      

Quando o Cessna Citation X pousou, dez homens, todos vestidos de jalecos, desceram cada qual com uma maleta. Algumas pessoas já os aguardavam a fim de guiá-los para dentro por uma entrada lateral. Todos pareciam muito eufóricos e descontraídos.

 

Na verdade estavam todos muito ansiosos de conhecer as instalações hospitalares construídas nos subsolos da propriedade, fruto de cinco anos de trabalho intenso e que seria finalmente inaugurada em grande estilo.

 

Equipamentos de última geração, dignos de dar inveja aos hospitais mais sofisticados. Salas de cirurgia totalmente prontas para uso. Uma estrutura que fez o Dr. Schneider ficar um bom tempo em silêncio a analisar orgulhoso, enquanto todos aguardavam sua reação.

 

No mapa, pontinhos vermelhos no centro de círculos negros identificavam as pessoas consideradas em “estado crítico”, já cadastradas para receber transplante de um ou mais órgãos. O cadastramento era feito com pessoas muito simples de todo o país, e que na longa espera por um transplante pelo SUS, certamente morreriam antes que chegasse sua vez, se é que esta vez chegaria algum dia de fato. Os pontinhos negros no centro de círculos vermelhos indicavam as pessoas que ainda não eram consideradas prontas para os transplantes. A prioridade eram os considerados “críticos”. Era assim, pois quanto mais crítico o estado do indivíduo, melhor para as equipes, que colocavam em prática métodos super sofisticados, com técnicas e equipamentos ainda experimentais, portanto não conhecidos pela medicina legal.

 

No ínterim, vinte pacientes já se encontravam a postos para receber o tão sonhado transplante, que na atual situação, significava a fronteira entre a vida e a morte. Tratava-se de pessoas que a bem dizer, nada tinham a perder.

 

Apesar disso, a probabilidade de êxito estava acima da média. Os pacientes não eram meras cobaias. Havia de fato o desejo de salvá-las, o que deveria acontecer na maioria das vezes. Quando não, as máquinas de trituração e os crematórios entrariam em ação, desaparecendo para sempre com qualquer vestígio do “crime”. De qualquer maneira, “Fracassos” não seriam bem-vindos. Aquela primeira etapa era “crucial, não podendo se dar ao luxo de ter  baixas.”

 

Quando o Dr. Schneider, em sua notória circunspecção, uniu as mãos num aplauso discreto, todos o acompanharam numa salva que, gradualmente foi se transformando numa estrondosa ovação, com todos parabenizando o Dr. Schneider por tamanho feito.

 

Quando finalmente a aclamação terminou, ele passou um rápido olhar sobre todos...

 

    – Senhoras e senhores, vamos começar. Em nome da ciência e da vida, bom trabalho para todos nós. Temos uma semana bem carregada pela frente.

 

E assim, o Dr. Schneider e os médicos seguiram pelo longo corredor do hospital subterrâneo, dividindo-se então em três equipes, duas compostas por quatro médicos e uma por três, da qual o próprio Dr. Schneider fazia parte. As equipes entraram em três salas cirúrgicas contíguas. Em cada sala havia duas mesas de cirurgia e uma esteira sempre em silencioso movimento entre a sala e uma passagem na parede. Em cada mesa de cirurgia havia uma pessoa deitada, já devidamente sedada. Na mesa em cuja lateral passava a esteira, um jovem totalmente nu. Na mesa oposta, o paciente a receber o órgão. Dois médicos, auxiliados por várias mulheres e homens, iniciavam o processo cirúrgico de extração de órgãos do jovem sadio, enquanto na mesa do paciente, os outros médicos auxiliados por tantos outros assistentes, iniciavam o processo cirúrgico para que o paciente recebesse os órgãos saudáveis. O aparato tecnológico era impressionante, assim como a rapidez e eficiência dos cirurgiões.

 

Os assistentes agiam muito rapidamente. Enquanto um descartava os órgãos doentes dos pacientes dentro de enormes caixas de isopor negro, o outro já trazia o órgão sadio para transplante, enquanto outros tratavam de organizar os demais órgãos saudáveis em caixas de isopor verde com gelo seco, cujo destino nem eles sabiam, a partir do momento que outras pessoas incumbidas da função já pegavam as respectivas caixas com os órgãos remanescentes e saíam rapidamente para as próximas salas de cirurgia onde outros órgãos que não seriam aproveitados eram acrescentados ao material já nas caixas. Recolhidos todos, as caixas eram imediatamente preparadas e enviadas ao heliporto ou para a pista de pouso, de onde um helicóptero ou um avião de prontidão já decolava levando a preciosa carga sabe-se lá para onde. Dentro das aeronaves preparadas para a missão, sistemas sofisticados de bombeamento faziam com que pulmões continuassem em pleno funcionamento, sem sofrer danos. O órgão ficava vivo por um tempo muito longo, podendo inclusive receber drogas e nutrientes durante os vôos até seu destino final, onde chegava forte o bastante para ser transplantado sem problemas. O mesmo sistema era usado com outros órgãos, como coração. Mas no geral, tudo era muito sofisticado e ainda desconhecido do mundo, por estar em fase experimental.

 

Tão logo todos os órgãos eram retirados, os corpos já sem vida eram virados diretamente na esteira que os levava embora pela pequena abertura que se adequava automaticamente à proporção do corpo, sempre se mantendo fechada à altura da esteira, mas alargando-se para cima ou para as laterais de acordo com o corpo que deveria passar.

 

Por trás de todo aquele aparato robotizado, se escondia um engenhoso complexo tecnológico, quase vivo e racional, construído por alguns dos maiores crânios, loucos de várias nacionalidades, durante um período de três anos. Às escondidas de olhos humanos, a esteira conduzia os corpos a uma espécie de açougue altamente sofisticado e inacessível, onde mãos mecânicas controladas por braços biônicos iniciavam um habilidoso processo de separação de pele, que era extraída do corpo sem sofrer danos (após toda a preparação, as peles eram transformadas em deslumbrantes e macabras obras de arte que se espalhavam por todos os cantos, como abajures, telas de quadros e uma infinidade de outras criações sombrias que enfeitavam os aposentos da suntuosa mansão e outras casas imponentes em várias partes do mundo). Por fim o processo era finalizado com o desmembramento e desossa. As partes dispensáveis, como mãos, pés e cabeça, iam sendo imediatamente enviadas para um forno que incinerava tudo e já liberava as cinzas por um tubo com sistema de ventilação que transportava para longe, cerca de cinco quilômetros no meio da mata (no fim da linha, o tubo se erguia até uma altura de vinte metros, de onde lançava as cinzas aos quatro ventos, para adubar a terra). A carne era então transportada para outro setor a fim de ser moída juntamente com carne bovina recente e já disponível no frigorífico. Por fim todo o material seguia para o processamento final, onde era temperado e liberado para armazenamento. Ao fim de três dias o produto deveria enfim ser enviado ao Google Negro, pronto para consumo. O envio das cargas que abasteceriam o evento público na Zona Leste de São Paulo ocorreria no dia 20 de outubro de cada ano, pois a preparação dos alimentos começaria no dia 24 e o evento teria início no dia 25, seguindo até o dia 31, quando aconteceria a secreta e restrita “Noite dos Lordes”, com matéria prima novinha e preparada especialmente para a ocasião.

 

Os ossos seguiam para um forno secundário que consumia qualquer vestígio de carne, purificando-os para a trituração que ocorria numa máquina específica, a qual num passo a passo habilidoso transformava todos os fragmentos ósseos em um pó muito branco e fino. Nos passos que se seguiam, outros produtos químicos eram adicionados, passando por vários processos. Por fim o material já pronto era liberado na forma de um pozinho branco, devidamente lacrado em pequenos papelotes, e um líquido transparente que já saía em frasquinhos pequeninos. As esteiras conduziam o material devidamente separado, porém para o mesmo lugar, onde mãos quase humanas, em ambos os lados, faziam o trabalho de colocar cada frasquinho numa caixinha vermelha, enquanto os papelotes eram colocados em número de dez unidades em caixinhas maiores, de cor preta.

 

Aquilo era uma droga de altíssimo poder alucinógeno, além de potente sonífero e extraordinário afrodisíaco. Para cada função, era necessária uma quantidade específica, na medida cientificamente correta. Dois papelotes numa só noite, dependendo do organismo receptor, poderiam efetivamente causar demência. Já uma porção considerada excessiva, ou seja, acima de três papelotes, significava indubitavelmente uma viagem a um coma profundo e permanente que culminaria em morte iminente, pois no decorrer de sessenta minutos o usuário sofreria uma súbita falência múltipla de todos os órgãos, antes de seu coração explodir. O antídoto, na eventualidade de um imprevisto, era aplicado diretamente numa das jugulares, e surtia efeito imediato. Portanto, se a overdose ocorresse durante a “Noite dos Lordes”, a probabilidade do usuário escapar à morte era de 99 por cento. Mas se ocorresse sem o socorro do antídoto, a morte era inevitável.

 

Papelotes e frasquinhos tinham funções diferentes. Nas festas, somente os papelotes eram distribuídos entre os convidados. Um único papelote para uma noite inteira era o suficiente, haja vista o efeito de pelo menos setenta e duas horas.                        

 

Tal droga, chamada pelos usuários de “noturna”, só era consumida na “Noite dos Lordes”, potencializando a virilidade e transformando o ambiente num paraíso de delirantes lascivos. Cada papelote, se eventualmente viesse a ser fabricado e distribuído em grandes quantidades como outras drogas conhecidas, tais como maconha, cocaína, heroína, LCD, ecstasy, etc., teria um custo tão elevado que somente usuários de elevadíssimo poder aquisitivo poderiam desfrutar de sua loucura. Cada papelote, com apenas alguns miligramas, não sairia por menos de dez mil reais. Era feito de uma complexa mistura cujo principal ingrediente era osso humano. No caso da “Noite dos Lordes”, a droga já estava inclusa no “cardápio geral”.

 

A “noturna” era sem sombra de dúvidas a droga mais poderosa, eficiente e científica dos tempos modernos, um sonho para traficantes e usuários de todo o mundo. O produto exclusivo era o que poderia ser chamado de “top dos tops”. Mas não era nenhum exagero imaginar que se viesse a cair em mãos de traficantes, a calamidade estaria declarada, pois em usuários muito sensíveis, mesmo a menor quantidade da droga poderia criar um estado de euforia extremo, seguido por um pânico além de qualquer terror conhecido, haja vista que era aí que os terrores mais recônditos de cada pessoa vinham à tona da maneira mais real e inconcebível possível. A partir daí não era difícil supor que a possibilidade de um ataque cardíaco era muito real, mesmo em pessoas jovens e saudáveis.

Durante as fases de testes que precederam a liberação da “noturna”, três anos antes, pelo menos dez “voluntários”, dos mais sensíveis dentre cinquenta, foram enviados para o crematório após sucumbir diante dos efeitos aterradores da “noturna”, que expôs seus medos mais ocultos, forçando-os às alucinações mais intrigantes e aterrorizantes, que iam de areia movediça a animais e insetos apavorantes, como anacondas, aranhas gigantes e felinos esfomeados. E ainda tinha os que despencavam de precipícios rumo a buracos negros sem fundo, e até mesmo ao ataque de palhaços psicopatas. Por esta razão, ninguém podia receber a droga sem um prévio exame de “suportabilidade” ou “capacitabilidade”.

 

O rigor era tamanho que tentar embarcar de volta para o mundo civilizado com qualquer resquício do produto seria considerado traição, e isto definitivamente significava assinar uma sentença de morte por alguma causa “acidental”.