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O Mistério do Segredo
O que deveria ser uma fazenda muito distante da principal rodovia federal, vista a partir do satélite, tinha mais o aspecto de um grande complexo militar, com pista de pouso, torre de comando e tudo mais. O tráfego de aeronaves particulares era intenso e intrigante. Porém, nada que não fosse permitido parecia ultrapassar a “zona de segurança” da propriedade. Por terra existiam as barreiras naturais impostas pela selva densa. Por ar parecia haver um severo controle do espaço aéreo. Antes de “desaparecer”, um drone enviado pelo exército descobriu que várias aeronaves, entre helicópteros e aviões de pequeno e médio porte, encontravam-se sob o teto de um enorme hangar e de duas garagens gigantescas.
O esquema de segurança, de tão bem montado, era de dar inveja a muitos países.
Por mais de dois anos o espaço aéreo de toda aquela região foi vigiado constantemente. O exército constatou que sempre àquela época, a movimentação se intensificava. Outros dois drones enviados para a área com o fim de espionar e estudar a constante e suspeita movimentação, aparentemente também entraram em pane sem nenhuma razão plausível, desaparecendo em seguida.
Até que o exército decidiu que era chegada a hora de enviar uma missão secreta a fim de esclarecer o segredo que se escondia por detrás da misteriosa “Fazenda Império”, com seus 50 mil hectares, estendendo-se imponente do estado de Mato Grosso ao Amazonas, penetrando fundo na floresta amazônica, e que supunha-se possuir um invejável aparato de segurança composto por um suposto arsenal tecnológico e muitos homens equipados com armamento de última geração e treinamento feito por especialistas do Serviço Secreto israelense, segundo confirmação do próprio Mossad, com sede em Tel Aviv. Tudo isso sem mencionar a mega estrutura física, construída em sua maior parte, em plena selva amazônica, mas que parecia não interferir na natureza do lugar, uma área extremamente bem conservada em toda sua exuberância, o que ao invés de aquietar as suspeitas e abrandar a curiosidade, só servia para deixar o exército mais desconfiado.
Pairavam no ar suspeitas perturbadoras e opiniões diversas, porque tudo levava a crer que se tratava de uma fachada para encobrir grandes negócios ligados ao narcotráfico, embora as investigações nunca tenham levado a nada, como se alguém lá no topo da pirâmide estivesse criando empecilhos ou mesmo apagando informações relevantes. Nas tentativas anteriores, nada havia sido conseguido, exceto uma série de negativas e embaraços. Mas de repente, alguém de bom senso no Ministério da Defesa autorizou a missão secreta batizada de “Sucuri”, tão confidencial que menos de cinco no topo do comando sabiam de seu desenrolar.
O helicóptero militar UH-60L Black Hauk, de fabricação estadunidense, sobrevoava tão baixo que quase tocava os galhos das árvores, volta e meia voando entre elas. Os dez homens estavam concentrados, cientes da importância daquela missão e seus resultados, que calariam a boca de alguns peixes grandes e tirariam as dúvidas que há anos pairavam no ar.
Enquanto isso, na torre de controle, constatou-se a aproximação de uma aeronave desconhecida que se encontrava a dez quilômetros do Quadrângulo 5, Posto Avançado 1 (Noroeste). Imediatamente todo o esquema de segurança foi colocado em alerta, e vários homens foram deslocados em lanchas velozes para as proximidades da área onde supostamente ocorreria a aterrissagem.
Uma clareira abriu-se diante do helicóptero, próximo à margem do rio, mas já dentro dos limites da “Império”. Porém, assim que a aeronave cruzou o rio, de repente as comunicações foram interrompidas sem qualquer razão aparente. O helicóptero subitamente não obedecia mais os comandos, e pousou a muito custo. Rapidamente as tropas desceram em alerta, enquanto uma voz a partir de um alto-falante pedia que os homens abaixassem as armas.
– Senhores, sua missão acaba aqui! Por favor, entreguem suas armas!
Os soldados, atônitos, vasculhavam o ambiente em busca de respostas, mas tudo que se via além da clareira natural, era a mata densa sob o clima úmido e quente da Amazônia.
– Por favor, cavalheiros, abaixem suas armas, agora! Aqui vocês não tem a menor chance! A missão “Sucuri” acabou!
Os homens estavam em campo aberto, completamente expostos, embora em posição de combate. Olhares atentos perscrutando tudo a sua volta, mas tudo que viam era selva e mais selva, enquanto a voz com forte sotaque estrangeiro continuava a pedir a deposição de suas armas.
– Senhor, o que fazemos?
Perguntou um dos soldados ao seu oficial comandante.
– Se corrermos seremos alvejados, se não abaixarmos as armas seremos alvejados, se atirarmos estaremos atirando às cegas...
De repente uma poderosa rajada cortou os ares, estraçalhando os vidros do helicóptero e fazendo os militares se jogarem ao chão já revidando a esmo. Quando o tiroteio cessou, a voz novamente voltou a falar, calma e fria, como se aquela tensão não significasse nada.
– Cavalheiros, esta é sua última chance. Por favor, ponham suas armas no chão e ajoelhem-se com as mãos na cabeça. Repito, sua missão acaba aqui. Obedeçam e sejam nossos “convidados”.
– Fomos traídos – disse o oficial em voz baixa aos seus homens perplexos, após o que ergueu-se, deu três passos a frente, segurando o fuzil acima da cabeça, e depositou-o no chão, em seguida ficando de joelhos. – Mas nossa missão não acabou. Ela está só começando.
Assim que todos os demais soldados e os dois pilotos também abaixaram suas armas e ajoelharam-se por terra com as mãos sobre a cabeça, dezenas de homens de uniformes camuflados e fortemente armados saíram da selva e rapidamente formaram um perímetro em torno dos soldados ajoelhados, enquanto outros vasculhavam o helicóptero. Em seguida emergiu da mata um gigante de quase dois metros de altura que mascava chiclete tranquilamente, com sua boina impecável e uma postura arrogante nos passos rápidos e firmes que pareciam imitar ironicamente passos de ganso. Parou a cerca de dois metros do oficial ajoelhado a frente dos companheiros, e friamente olhou ao redor, depois suspirou longamente, e com a língua esticada, ficou a brincar com o chiclete. Lançou a goma longe e numa virada brusca encarou o militar rendido, cuja imagem refletida em seu Ray-Ban mostrava alguém sereno e analítico.
– Bonjour, messieurs. Sont très bienvenue au paradis.*
Cumprimentou ele, sério, porém em tom de ironia.
– Podem me chamar de Frank-Einstein – continuou ele, desta vez em um português cínico com pesado sotaque francês –. Mas, por favor, senhores, não confundam com ”Frankenstein”. Como podem ver com seus próprios olhos, o monstrengo e eu não temos nada em comum. É apenas um apelido que ganhei de antigos companheiros na África – completou sorrindo.
– O que um soldado francês – provavelmente ex-legionário – faz em território brasileiro? Perguntou o militar tupiniquim.
– Não tenha pressa, oficial. Tudo em seu devido tempo – sorriu o mercenário tirando os óculos e deixando à mostra um par de olhos cegos. – Permitam-me conduzi-los ao nosso Quartel General, senhores. E não se preocupem, lá tem espaço para seu helicóptero, também. Aliás, acho que vamos ficar com ele.
O incrédulo oficial engoliu em seco, tentando entender como um homem cego podia agir como se enxergasse, se movimentando com a destreza e confiança comum aos melhores soldados, e tendo sob sua liderança dezenas de homens bem treinados na arte da guerra. E como podia encarar alguém com tanta firmeza e ousadia, sendo um cego?
– Vejo que o senhor também se impressionou com meus olhos, oficial. Isso sempre acontece. Eu não o culpo, acredite. Mas é somente uma lembrancinha do que uma seção de tortura pode fazer com o brio de homens como nós. Não se preocupe, eu sei me virar, como pode ver. Graças ao poder da medicina e aos avanços da... TECNOLOGIA. – suspirou profundamente. – Ah, senhores, o que seria de nós, meros homens modernos, sem o aparato da tecnologia – suspirou novamente, estufando o peito, mas sempre ostentando ares de ironia, como se nunca levasse nada a sério, enquanto dava meia-volta.
Esta e muitas outras respostas o oficial brasileiro teria muito em breve, quando seria convencido a mudar de lado juntamente com seus homens, desertando de um Estado mal preparado, negligente e atrasado para servir a uma organização cujos salários fariam seus ganhos no exército parecer meras gorjetas, e os ideais – em benefício do conjunto humano –, maiores que suas próprias vidas.
Dois dias depois do desaparecimento do helicóptero, o exército seria forçado a fazer a embaraçosa declaração de que doze militares, incluindo os dois pilotos, haviam perdido a vida durante um treinamento na floresta amazônica, quando um helicóptero UH-60L Black Hauk teria caído por razões desconhecidas e explodido às proximidades do Rio Amazonas, matando todos e se espalhando em milhares de pedaços por uma extensa área inóspita e de difícil acesso.
Pedaços indistintos da aeronave seriam posteriormente disponibilizados à imprensa, como sendo restos do poderoso Black Hauk acidentado. E assim, após um enterro simbólico com honras militares, viúvas, familiares e amigos verteriam as devidas lágrimas por seus entes queridos mortos no exercício do dever, antes do caso por fim ser considerado “concluído” e encerrado nos arquivos do exército.
* Bom dia, senhores. Sejam muito bem-vindos ao paraíso.