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A Irmandade AnCião
Com um investimento pesado em publicidade, o Google Negro se tornou um ponto de encontro quase obrigatório. A inauguração do restaurante foi um sucesso absoluto, com a presença de gente da elite, políticos e artistas. Logo havia se tornado um ponto essencial da alta sociedade paulista, frequentado principalmente pelos jovens, alvo principal da publicidade maciça.
Com suas receitas excêntricas e extravagantes, o Google Negro atendia um público elitizado e exigente, sempre disposto a pagar caro - muito caro -, por seus cardápios extravagantes, bem de acordo com seu ambiente enigmático. Tudo no Google Negro era... negro. No Google Negro a excentricidade era o normal, o que só atraía mais e mais gente curiosa e com grana para gastar, mesmo que apenas para ficar sob o ambiente sombrio. A própria iluminação tênue era um convite à imaginação. Nada naquele lugar era pedante e muito menos prolixo, e a máquina funcionava de modo a extasiar e causar excitação. O clima era nocivo à racionalidade, criando uma espécie de ciclo vicioso. O fundo musical muito suave e intermitente era como gemidos de prazer que encorpavam sensações e desejos, indo e vindo como uma maré em lúgubre calmaria.
Adentrar o Google Negro era como sair do mundo real para um mundo fantasmagórico e inebriante.
Atingido o objetivo de popularidade do Google Negro, a irmandade lançou o projeto do Google Negro Popular, que atendia o público em geral com pratos saborosos a um preço simbólico, ao mesmo tempo em que distribuía alimentos às populações de comunidades carentes e moradores de rua. O objetivo era estender estes serviços para outras metrópoles como Rio de Janeiro, Florianópolis, Salvador, Belo Horizonte, Recife, etc. Era o lado nobre e filantrópico do qual a enigmática e poderosa Irmandade Ancião não abria mão.
Um detalhe interessante, porém, chamava a atenção especialmente da imprensa: o pacto de sigilo da irmandade era tão rigoroso que ninguém, exceto eles mesmos, sabia quem eram seus membros. Até onde se sabia com base em especulações, era um pacto concretizado a base de sangue e sacrifícios, só dissolvido na morte. Da mesma maneira, nunca se soube onde ocorriam as reuniões e rituais da irmandade. Relatos extraordinários e surreais seguiam no rastro da irmandade no mesmo ritmo que o sigilo com que transcorriam as suas atividades secretas. E por mais que dúvidas e suspeitas pairassem no ar, nada era motivo de ação policial ou judicial, pois nunca houve nada de concreto contra a misteriosa organização, assim como nunca houve qualquer tipo de acusação formal. Além do mais, a nata da elite e do poder eram assíduos frequentadores do Google Negro. E decerto muitos faziam parte do próprio corpo da irmandade, criando uma blindagem óbvia a qualquer eventual atividade ilícita da organização e de seus membros.
Muitos profissionais da imprensa desconfiavam do milionário catarinense de ascendência franco-germânica, o Dr. Claude Von Schneider, que era também um renomado cirurgião e cientista. A fortuna da família Schneider já vinha desde gerações. Mas o Dr. Claude Von Schneider, um apaixonado pela medicina, ampliara grandemente o patrimônio de sua família. Aos sessenta anos, era casado há trinta com a médica alemã Hanna Güllenburg Schneider, de cinquenta anos. Com altos investimentos em causas sociais, parecia que a família Schneider estava predestinada a acrescentar, num mundo onde pessoas ricas estão voltadas mais para seus próprios interesses egoístas.
No passado, a família Schneider saíra da Alemanha assim que o presidente Paul Von Hindenburg morreu em 2 de agosto de 1934, e a ascensão de Adolf Hitler ao poder não era bem vista pelo patriarca da família, o empresário Maximiliano Von Schneider, casado com Helena Poitiers Hasan, filha de Ibrahim Poitiers Hasan, um bem-sucedido judeu francês que viria a desaparecer juntamente com toda sua família durante a ocupação alemã da França.
Atualmente, seu neto, o Dr. Claude Von Schneider, negava as alegações de que estava por trás da Irmandade Ancião, embora vários pontos de ligação fizessem bastante sentido. O fato é que uma nuvem de mistério envolvia o Dr. Schneider e sua família, praticamente inacessível por uma barreira de assessores, intermediários e seguranças. Entrevistas eram uma aversão do empresário, que não concedia a ninguém. Tinha horror a exposição pública, fazendo de tudo para manter o nome da família longe de boatos, o que só aumentava a curiosidade e as especulações a seu respeito. Esse oceano de limitações no entanto não impedia que seus três herdeiros, Cláudia, de 21 anos, Maria Luíza, de 18, e Caciano Francisco, 16, levassem uma vida quase normal.
Muitos acreditavam que o Instituto Google Negro era apenas uma ramificação de uma seita neonazista denominada “Os Lordes”, que por sua vez era a menina do olho da sociedade secreta conhecida como Irmandade Ancião. Boatos sobrepunham-se a boatos (um mais sensacionalista que o outro), e a fama da tal entidade, já bem difundida na internet, estava definitivamente consumada.
Profissionais da imprensa se engalfinhavam na luta por informações fidedignas. E quem tivesse uma boa história para contar podia ganhar muito dinheiro. Mas verdade é que tudo que se falava não passava de especulação, embora ninguém tivesse argumentos fortes o bastante para refutar qualquer hipótese.
Já na internet, viralizavam informações que garantiam que a tal irmandade não tinha qualquer vínculo com grupos ou ideologias neonazistas, e sim que essas informações disseminadas serviam apenas para desviar os curiosos da real verdade. Segundo essas afirmações, oriundas dos confins da Deep Web, o termo “ancião” era na verdade um disfarce para encobrir o verdadeiro sentido por detrás das entrelinhas. Outrossim, o nome “Irmandade Ancião” apenas ocultava a intenção original do nome, a saber, “Irmandade Sião”, que seria uma organização composta por judeus radicais que se achavam no direito legal de vingar as vítimas do holocausto, patrocinado por Adolf Hitler e executado com êxito pela máquina genocida nazista. A mentalidade da organização era de que toda aquela geração germânica não estava isenta de culpa pelo morticínio, levado a efeito debaixo de seus olhos, sob sua indiferença e com sua cumplicidade, direta ou não. Ninguém era inocente e esta culpa se estendia até a quarta geração.
Na verdade as acusações que imputavam caráter neonazista à Irmandade Ancião não faziam qualquer sentido – isto se o fundador da organização fosse de fato o Dr. Claude Von Schneider, neto de Maximiliano Von Schneider, que fora um ferrenho opositor do Reich, além de ser casado com uma judia francesa cuja família desaparecera sob as negras brumas do Terceiro Reich, muito provavelmente calcinada nos infames fornos de incineração de Hitler. Por outro lado, neste ponto específico, as especulações começavam a fazer algum sentido, quando invertidas, e então passavam a ser razão para alguma reflexão investigativa.
Antes mesmo da plena ascensão de Hitler, na década de trinta, Maximiliano Von Schneider já nutria grande antipatia pelo “austríaco desordeiro” que colocava em perigo a já abalada e crítica ordem alemã. A crise que se estendia era como degraus de apoio ao crescimento político de Adolf Hitler, que rapidamente galgava rumo ao topo do poder. À antipatia de Maximiliano Von Schneider pelo futuro Führer seguia-se a nítida reciprocidade de Adolf Hitler. Definitivamente aquilo se mostrava como um perigo real que não poderia ser ignorado. Certa vez Maximiliano Von Schneider teria comentado, em tom de brincadeira, durante uma conversa numa roda de amigos: “Receio que se o homem narigudo de bigodinho ridículo e oratórias arrebatadoras subir ao poder, a Alemanha conhecerá seu lado mais negro e sombrio. Aqueles olhos azuis refletem céus cinzentos pro futuro germânico. Entregaria um cordeiro seus destinos às mãos de um lobo? Este deveria ser um dilema alemão.”
Às trevas que se seguiram ao domínio de Adolf Hitler e sua alcateia de lobos vorazes mostram que o empresário não estava equivocado em seus presságios.