Quinta Parte
Quinta Parte
Cruzaram a passagem da serra e passaram pela capelinha onde os romeiros e fiéis, em busca de cura milagrosa, depositavam réplicas de órgãos e membros humanos com suas respectivas enfermidades. Pernas, braços, mãos, corações, fígados, olhos, orelhas, dedos, etc. Uma infinidade de objetos feitos de argila, gesso, madeira, enfim. Mas também havia muletas, entre outros acessórios úteis usados por pessoas enfermas. A crendice popular, antes de ser um universo de ignorância, é um abismo de mistério. Para ser julgada é preciso que primeiro seja compreendida.
O garoto observou a capelinha, enquanto passavam por ela. Sentia arrepios sempre que passava por ali. Ficava sempre se perguntando se os donos daqueles objetos, representantes de sua fé, tinham encontrado a tão implorada cura de seus males. Não conhecia ninguém que tivesse deixado algo na fantasmagórica capelinha.
A estrada piçarrenta era agradável, mas também dificultava o ritmo dos animais. A música dos grilos era incessante, até convidativa a um sono. O movimento suave do animal se assemelhava ao vai e vem de uma rede, como um carinho materno conduzindo ao sono. A criança estava cansada, seus olhos se fechavam involuntariamente e vez ou outra seu corpo tombava subitamente, levado por repetidos sonhos lúcidos que se confundiam com a realidade, fazendo com que ele tivesse a sensação de estar caindo em abismos. Volta e meia seu corpo exaurido. Mas seu cansaço não passou despercebido do pai, já dominado pelo peso de consciência por não ter pernoitado na casa dos parentes. Logo à frente, ao lado da estrada, um enorme imbuzeiro, ponto de parada de viajantes desde tempos longínquos, jazia imponente e indiferente ao tempo que castiga e mata os homens. Senão antes, por que não agora? A pressa de chegar ao destino em conflito com a exaustão.
E foi assim que o pai aproximou o cavalo e brincou com o cocuruto do filho, avisando-o que descansariam o resto da noite. Antes de o sol nascer eles prosseguiriam. Uma parada não ia fazer mal. A criança sorriu satisfeita.