Oitava Parte
Oitava Parte
A barriga do homem doía muito, quando ele se levantou, as pernas incontrolavelmente trêmulas. Mesmo assim, aos trancos e barrancos, conseguiu andar rapidamente rumo aos animais. Já ao lado de seu cavalo, direcionou o olhar rumo à cela. Lá estava seu rifle, bem ao alcance de suas mãos. Mas o torpor causado pelo medo mórbido que sentia o impediu de tenta a ousada empreitada de pegá-lo.
Morto de pavor, olhou para trás e pôde ver que a pavorosa mulher estava com a cuia na mão, já devia ter devorado o último pedaço de charque. Agora comeria a farofa preparada para ele e o filho. O homem ultrapassou a área em que estavam os animais e chegou a uma grande moita onde não podia ser mais visto pela criatura. A estrada estava ao seu lado. O medo cegava-lhe qualquer resquício de racionalidade, e num ímpeto de sobrevivência, ele simplesmente se deixou levar. Quando deu por si, já corria a passos largos, sem se importar com nada mais. E quanto mais corria, mais desejava correr, só queria escapulir dali para o mais longe que pudesse chegar. E assim, correu, correu, correu e correu, mais e mais.
Enquanto isso, no acampamento sob o pé de imbuzeiro, a criatura ficou impaciente com a demora do homem. Levantou-se e seguiu a longos passos até os animais, que ficaram impacientes e agitados com sua presença. Cheirou o ambiente e seguiu no rastro do cheiro deixado pelo homem. Rastro de medo. E o cheiro do medo a levou à estrada e à direção tomada pelo medroso. Ela praguejou em alta voz.
– Maldito!
E disparou pela estrada na mesma direção seguida pelo homem.
– Ô, diabo, te pego sim!
Gritou ela, enquanto corria como o vento. E quanto mais corria, mais gritava ensandecida. E logo o homem começou a ouvir seus gritos de raiva a persegui-lo implacavelmente, impulsionada pelo ódio inumano e os gritos repetidos.
– Ô, diabo, te pego sim!
Ele olhou para trás, sobre os ombros. A enorme sombra negra ao longe não demoraria a alcança-lo. Resfolegando, ele se esforçou ao limite de suas últimas forças a fim de aumentar a distância que os separava, mas parecia inútil. Cada passo da criatura equivalia a pelo menos três ou quatro dos seus, senão mais. O desespero aumentava cada vez que os gritos esganiçados se aproximavam mais e mais. Foi então que uma fagulha de esperança surgiu na curva da estrada. A fazenda de Nhô Simão, não muito distante, mas àquelas alturas daquela situação de calamidade, não tão perto também.
E os gritos diabólicos da criatura chegavam cada vez mais perto, como se ela já estivesse às costas do homem aterrorizado. Quanto mais ele chegava perto dos currais, mais ela se aproximava de sua retaguarda, lançando à frente as mãos longas e suas unhas afiadas na intenção de rasgar as costas do pobre coitado. E finalmente, quando ela abriu os braços para estreitá-lo num afago mortal, ele deu um salto fenomenal, impulsionado pelo pavor, fazendo-a abraçar o vento. Com a força desprendida para o salto que salvaria sua vida, a calça do homem se rasgou todinha, e enquanto ele ainda voava sobre a porteira do curral, se lambuzando todinho de bosta e cagando todos os bois abaixo dele, ainda conseguiu ouvir o grito da criatura:
– Foi a tua felicidade, diabo!
O homem caiu entre os bois e as vacas, que segundo acredita-se são sagrados, pois o menino Jesus nasceu dentro de um estábulo e foi colocado numa manjedoura.
A criatura então se afastou, retornando pela mesma estrada por onde tinha vindo. Seus gritos de ódio, se maldizendo e amaldiçoando o homem, podiam ser ouvidos incessantes na noite.
Ele se levantou ainda tremendo muito e cambaleou até a casa principal, onde bateu desesperadamente na porta, e antes mesmo que aparecesse alguém, ele desmaiou de exaustão. Levaram-no para dentro e molharam seu rosto para despertá-lo. Depois quiseram saber o que acontecera. E ele contou tudo, só então se dando conta que deixara seu filho dormindo numa rede sob o pé de imbuzeiro. Todos os homens da fazenda foram reunidos a fim de seguirem imediatamente em socorro da criança.