Criar uma Loja Virtual Grátis

CAPÍTULO VII

CAPÍTULO VII

CAPÍTULO VII         

 

 “A sombra negra que

muge ao vento sob o luar”

 

 

E num sonho confuso e nebuloso,

Maria chorava de felicidade

Enquanto muito aflita entoava

Uma antiga cantiga sob a lua nova

Num véu branco de saudade:

“A estrela quando nasce, traz uma rosa...”

 

 

Maria acordou-se impávida

Num sobressalto destemido

E com amargo sabor de desgosto.

O luar de agosto coloria o sertão infinito ,

Mas ela sentia um nó na garganta

E um aperto no coração muito sentido.

 

 

Os gêmeos, alheios e indiferentes

Às preocupações inerentes à vida,

Dormiam inocentes e tranquilos.

Maria então banhou o rosto

Àquelas altas horas da noite corrida,

Quando reinavam os grilos.

 

 

Andava para lá e para cá,

Sem saber o que fazer.

Então botou a chaleira no fogo,

Mas antes d’água ferver,

Um nambu fez tamanho alvoroço,

Forçando Maria a correr pra ver

 

 

Pois na certa o marido regressava

Com o touro negro bandoleiro.

 Lá fora, porém, não havia nada,

 Exceto o leve crepitar no terreiro

 Duma fogueira moribunda a apagar

 Lançando um resto de fumaça ao ar

 

 

E um acanhado cacarejar

Que provinha lá do puleiro,

 Além do céu que ganhava

 Um repentino e estranho nevoeiro

 E as ovelhas muito nervosas      

Que iniciaram um intenso berreiro.

 

 

Maria pensou e pensou,

Sem achar uma solução,

Porém diante da angústia,

Ela chegou à conclusão

Que o melhor era ir procurar

O dono do seu nobilitante coração.

 

 

Sem perder mais tempo

E preocupada com o varão,

Maria celou a égua Ventania,

Que ganhara do amado esposo

No penúltimo verão,

Num dia de alegria e emoção.

 

 

Já estava para partir,

Quando o cachorro Pixilinga³

Furioso e assustado deu a latir.

Uma sombra se aproximava.

Maria perguntou: “Quem vem aí?”

Pois seu corpo inteiro tremulava.

 

 

A sombra negra do touro,

Uma imagem de indelével terror,

Trazia um corpo preso aos chifres

(A cabocla quase desmaiou).

O cachorro grunhiu de medo,

Encolheu o rabo e se afastou.

 

 

Em choque, Maria contemplava

O marido preso aos cornos da fera.

Liberou um grito abafado de horror,

Quando o gigante do mau

Balançou a cabeça em furor

E o corpo desarticulado caiu por terra

 

 

Banhado em sangue e sem reação.

Maria em choque, o abraçou a chorar.

O touro mugia e cavava o chão,

Os olhos brilhando a mirar.

Avançava contra a jovem Maria,

Porém parava e retrocedia a fungar.

 

 

Depois de um tempo quase infinito,

O animal demoníaco foi-se afastando

Engolido pela sobrenatural nuvem negra.

Um forte cheiro de chifre queimado

Subitamente infestou a atmosfera,

Enquanto a lua prateava a terra.

         

 

E Maria, cheia de dor, clamava

Enquanto a madrugada testemunhava

O seu incontido desalento.

O cachorro uivava agourento

Expandindo sua tristeza ao vento

E a fazenda acordava em sofrimento.

 

  

Maria então começou a lembrar-se

Da premonição da velha cigana baiana

Que lhe prenunciara uma sina,

Alertando-a sobre o sombrio futuro,

No qual lhe sobreviria contundente

Carnificina sob uma fúria bovina.

 

 

“Cuidado com a sombra negra

Que muge ao vento sob o luar.

Ela oprime o valente apaixonado

E faz o coração puro sangrar.

Dois iguais somar-se-ão três,

Um quarto tardará, mas há de se somar.”

 

 

Nisso, ela olhou ao longe.

Agora conseguia compreender...

O touro era “a figura negra”

Que a cigana viera a prever.

José era o “valente apaixonado”

Que sob a fera viria a perecer.

 

 

Por um momento sentiu-se culpada,

Pois era sua aquela maldição.

O esposo era uma vítima inocente,

Estendido sem vida a sangrar no chão.

Se Deus não predestina ninguém,

Então isso só pode ser coisa do “cão”.

 

 

Pouco antes de sumir na noite

Da caatinga nordestina,

O monstro mugiu como uma fera

Demoníaca, cruel e assassina.

Depois desapareceu misteriosamente

Em meio àquela macabra neblina.

 

 

 Nota do autor:

³ De fato, houve um cão de nome Pixilinga, o qual sofria de epilepsia e pertencia

à minha família. Muitas foram às vezes em que o pobre animal

passou mal, caindo no chão a babar e estrebuchar. Dado como morto,

de repente aparecia, abatido por conta dos ataques epilépticos, porém muito bem.